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Indústria faz proposta para comercialização de alimentos fora do prazo de validade

(Reprodução)
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A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) quer mudar a forma como o prazo de validade funciona para alguns alimentos 38. A ideia é indicar uma data preferencial para o consumo, permitindo que produtos não perecíveis —como macarrão, biscoito e chocolate —possam ser vendidos nos supermercados depois desse prazo. Hoje, lojas que venderem alimentos vencidos estão cometendo um crime, e podem ser obrigadas a pagar multas e indenizações.

A proposta da Abia é que, depois do prazo estabelecido, o consumidor avalie características do alimento —como cheiro e aspecto— antes de consumi-lo. O novo modelo não seria aplicado a produtos perecíveis, como carnes, por exemplo. Alimentos classificados como não perecíveis, que estariam incluídos na nova regra, são aqueles considerados estáveis, ou seja, que demoram mais para estragar. A maior parte não precisa de refrigeração porque tem pouca água ou passou por processos de esterilização (como o leite UHT), o que dificulta a proliferação de microrganismos.

Para valer, a ideia precisa ser aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). A Abia ainda não apresentou um pedido formal ao governo sobre o assunto, alegando que o assunto “precisa ser amplamente estudado”.

O argumento da indústria é de que esse tipo de medida evitaria desperdício. Mas, segundo especialistas, o consumidor não necessariamente estará apto a identificar quando um alimento não está mais adequado para o consumo, o que pode trazer riscos.

O que mudaria com o novo conceito

A ideia da indústria é utilizar a expressão “consumir preferencialmente antes de…” para indicar a validade dos não perecíveis, incluindo a permissão para que eles sejam vendidos depois que a data for atingida. O uso dessa expressão já é previsto na resolução da Anvisa que trata do assunto. Mas, hoje, os supermercados não são autorizados a vender alimentos que estão com o prazo expirado. Por isso, quando a data é atingida, esses itens são jogados fora.

Segundo a Abia, o vencimento dos produtos é a principal fonte de perdas de não perecíveis nos supermercados. A entidade cita uma pesquisa da Abras (Associação Brasileira de Supermercados), que aponta que 42,5% do descarte de alimentos desse tipo ocorre por data de validade vencida.

João Dornellas, presidente executivo da Abia, afirma que, no novo modelo, “estaríamos combatendo fome e desperdício”. Segundo ele, em países como Noruega e Portugal essa prática já é adotada: os não perecíveis que passaram da data indicada na embalagem são vendidos “a preços módicos para populações mais carentes”.

Ninguém está propondo comercializar produto impróprio, que faça mal ao consumidor. O alimento tem que ser saudável sempre. Não é interesse da indústria vender algo que faça mal às pessoas.
João Dornellas, da Abia

Dornellas diz ainda que a regulação poderia estabelecer um prazo máximo para que o produto seja vendido —ou seja, os alimentos que passaram da data preferencial de consumo não poderiam ser comercializados por tempo indeterminado.

Validade também considera qualidade

A resolução da Anvisa determina como a data de validade deve ser apresentada, mas não estipula prazos específicos para cada tipo de alimento. Isso fica a cargo da indústria, que deve fazer vários testes.

Maristela do Nascimento, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), diz que o período estabelecido para consumo não leva em conta apenas a segurança do alimento —ou seja, se ele vai ou não fazer mal ao consumidor —, mas também sua qualidade.

Ela afirma que a indústria já coloca um prazo de validade mais curto, com uma margem de segurança, porque sabe que o consumidor acaba extrapolando a data e ingerindo os alimentos mesmo assim.

Um produto pode não estar estragado, mas vai perdendo características de qualidade. Por exemplo, o chocolate fica com manchas esbranquiçadas; a bolacha fica mole; a bala, toda melecada.
Maristela do Nascimento, da Unicamp

Por isso, ao comer um produto depois da validade, o consumidor não necessariamente vai passar mal. Mas aquele alimento pode não estar tão gostoso quanto antes, por ter perdido alguns atributos.

Consumidor saberá avaliar?

Álvaro Amarante, professor de Engenharia Química da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), diz que a proposta pode ser boa para os alimentos não perecíveis.

É importante dizer que o prazo de validade não é uma bomba-relógio. Há muitas coisas em jogo, como as formas de armazenamento e distribuição daquele produto.
Álvaro Amarante, da PUCPR

O problema, segundo ele, é que, “na média”, o consumidor não está preparado para avaliar se um produto ainda está próprio ou não para consumo.

Débora Oliveira, nutricionista da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), afirma que essa transferência de responsabilidade ao consumidor é “altamente perigosa”.

Nós temos um alto número de doenças transmitidas por alimentos, consideradas problemas de saúde pública. Nem sempre o consumidor consegue identificar que o produto está contaminado. Isso pode acontecer com os alimentos não perecíveis também.
Débora Oliveira, da Fiocruz

Ela cita como exemplo o pão de forma: se apenas uma fatia estiver com aparência de mofo (verde, por exemplo), todo o pão está contaminado e deve ser descartado —ainda que as demais fatias estejam com aspecto normal.

Em nota encaminhada ao UOL , o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) afirma que a proposta é imprecisa, e “pode levar o consumidor ao engano”. Por isso, na avaliação do instituto, a ideia “traz preocupação e potencial risco à saúde da população”.

Indústria fala em ação educativa

Segundo João Dornellas, da Abia, se a proposta for adiante a indústria fará campanhas de conscientização. Além disso, de acordo com ele, os funcionários dos Serviços de Atendimento ao Cliente serão capacitados para solucionar possíveis dúvidas.

Achamos que o consumidor é inteligente o suficiente [para fazer essa avaliação]. Não se trata de passar ao consumidor uma responsabilidade que ele não pode ter.
João Dornellas, da Abia

Direito do consumidor

Mas, mesmo nesse modelo, indústria e supermercados não ficam imunes à responsabilidade. O advogado Frederico Glitz afirma que, ainda que a proposta seja regulamentada, as empresas poderão ser cobradas por possíveis danos à saúde dos consumidores.

Segundo ele, para que a responsabilidade pela ingestão desses alimentos seja inteiramente das pessoas, seria necessário alterar o Código de Defesa do Consumidor.

“E, politicamente, isso não é nada fácil, porque essa legislação é muito conhecida. O brasileiro entende que o código o protege”, diz.

O que diz o governo

Procurada pelo UOL , a Anvisa afirmou que não pode se manifestar sobre a proposta porque, “até o momento, a Abia não procurou a agência para tratar do assunto”.

O Ministério da Agricultura respondeu que um posicionamento precisaria ser solicitado à Secretaria de Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça. O órgão não respondeu até a publicação deste texto.

 

Fonte: BCfórum 

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